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O Purgatório - uma breve reflexão

  • Foto do escritor: ocatecumeno
    ocatecumeno
  • 9 de dez. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 13 de dez. de 2021

A bíblia está repleta de convites à santidade, a uma vida perfeita de amor a Deus e ao próximo. Em resposta ao fariseu Jesus diz: “Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. E segundo é-lhe semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” Mateus 22.35-39

Ainda no livro de Mateus 5.48: “Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste”

Em uma de suas cartas, São Pedro, fazendo referência a Levíticos 11.44 diz: “Como filhos obedientes, não vos conformeis com os desejos que tínheis no tempo da vossa ignorância; mas, assim como aquele que vos chamou é santo, sede também vós santos em todas as vossas ações, pois está escrito "Sereis santos porque eu sou santo” 1 Pedro 1.14-16

Apocalipse 21.27 diz que “na nova Jerusalém não entra nada de profano” nenhuma impureza entra nos céus.

Com essas referências me pergunto se sou perfeito ou se amo perfeitamente a Deus e ao próximo como Ele nos chama para amar. Ao olhar para homens e mulheres santos, heróis da fé, mártires. É perceptível o quão pecador sou e o quão distante estou deste perfeito amor necessário para o ingresso ao céu. Deus, em sua infinita misericórdia, nos oferece sua graça que nos acompanha para nos transformar de seres imperfeitos em seres perfeitos. Podemos dizer não ou sim a Deus, mas não somos capazes de dizer sim com perfeição. A graça ilumina nossa liberdade, o livre arbítrio, para que optemos pelo sim à Deus.

Provavelmente em nosso leito de morte levaremos conosco uma série de vícios, pecados, defeitos, imperfeições, incorreções. Como seria possível então nossa entrada nos céus, já que em vida não logramos a perfeição necessária para habitarmos os céus e estamos diante do Pai? É nesta aparente lacuna da ação transformadora de Deus em nossas vidas que se encontra a situação do purgatório. Cristo morreu por nós, já nos redimiu, salvou e somente Ele o pode fazer. Somos salvos pelos méritos de Cristo e disto nenhum homem pode se gloriar Efésios 2.8 "Porque é gratuitamente que fostes salvos mediante a fé. Isto não provêm de seus méritos, mas é puro dom de Deus". Cristo nos faz dignos da salvação, pois ele pagou o preço em nosso lugar. Isso não faz com que não seja necessário uma transformação em nossas vidas, pelo contrário, naturalmente a consequência desta graça salvífica de Deus é o envio do Espírito Santo que nos santifica até a perfeição. Sabemos que, mesmo já remidos no sangue do Cordeiro, o pecado nos imputa consequências graves ou leves. Vícios ou defeitos que podem nos assolar por toda a vida, devido falha particular nossa, impedindo que alcancemos este perfeito amor que somos chamados a viver. Aqueles que ainda em vida chegam a perfeita caridade, chegam pela graça de Deus. Aqueles que morrem com imperfeições, porém em amizade com Deus são aperfeiçoados pela mesma graça antes de entrarem nos céus onde não pode existir imperfeição. O purgatório é o estado em que se encontra aquele que morre dizendo sim à Deus. Aqueles que escolheram amar a Deus e ao próximo, porém não o fizeram de todo o seu coração, não fizeram com perfeição e totalidade. Assim, é o estado anterior à entrada nos céus onde a graça de Deus continua agindo para a purificação completa do homem, já salvo, para que este se apresente em perfeição na Nova Jerusalém.

Muito se imputa ao Papa Gregório Magno a responsabilidade por “inventar” o purgatório e que isto não passa de um mito por parte da Igreja Católica no ano de 593 d.C que apostatou da verdadeira fé, segundo protestantes como Dave Hunt e Daniel Sapia. Este último também afirmando que só foi firmado este dogma no ano de 1439 no Concílio de Florença. Todavia, antes das decisões conciliares, a doutrina e crença no purgatório já era amplamente conhecida. Primeiramente, vejamos como o Catecismo da Igreja Católica explica o purgatório §1030-1031: "Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu. A Igreja denomina Purgatório esta purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório sobretudo no Concílio de Florença e de Trento. Fazendo referência a certos textos da Escritura, a tradição da Igreja fala de um fogo purificador: 'No que concerne a certas faltas leves, deve-se crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo o que afirma aquele que é a Verdade, dizendo, que, se alguém tiver pronunciado uma blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será perdoada nem no presente século nem no século futuro (Mt 12,32). Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século futuro' (São Gregório Magno, Dial. 4,39)".

Vamos agora a alguns nomes da patrística:

  • Tertuliano 160-220 d.C, faz claras referências ao purgatório em suas obras. De Anima (que fala da purificação da alma após a morte) e De Monogamia (fala como orações pelos falecidos podem ajudá-los);

  • Clemente de Alexandria 150-215 d.C, em sua obra Stromata fala sobre a purificação no fogo que a alma sobre após a morte quando não atingiu plena santidade em vida terrena;

  • Cipriano de Cartago falecido em 250 d.C, em suas cartas relata sobre o purgatório e pela oração aos que nele se encontram;

  • Orígenes falecido em 253 d.C, demonstra existir em 1 Coríntios 3 uma alusão ao purgatório “Pois se sobre o fundamento de Cristo construístes não apenas ouro e prata mas pedras preciosas e ainda madeira, cana e palha, o que esperas que ocorra quando a alma seja separada do corpo? Entrarias no céu com tua madeira, cana e palha e, deste modo, mancharias o reino de Deus? Ou em razão destes obstáculos poderias ficar sem receber o prêmio por teu ouro, prata e pedras preciosas? Nenhum destes casos seria justo. Com efeito, serás submetido ao fogo que queimará os materiais levianos. Para nosso Deus, àqueles que podem compreender as coisas do céu, encontra-se o chamado 'fogo purificador'. Porém, este fogo não consome a criatura, mas aquilo que ela construiu: madeira, cana ou palha. É manifesto que o fogo destrói a madeira de nossas transgressões e logo nos devolve o prêmio de nossas grandes obras”

  • Santo Agostinho de Hipona 354-430 d.C; não falta clareza por parte deste santo sobre o purgatório. “Senhor, não me interpeles na tua indignação. Não me encontres entre aqueles a quem haverás de dizer: 'ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus anjos'. Nem me corrijas em teu furor, mas purifica-me nesta vida e torna-me tal que já não necessite do fogo corretor, atendendo aos que hão de salvar-se, ainda que, não obstante, como que através do fogo. Por que acontece isto se não é porque edificam aqui sobre o cimento, lenha, palha e feno? Se tivesse edificado sobre o ouro, a prata e as pedras preciosas, estariam livres de ambas as classes de fogo, não apenas daquele eterno, que atormentará os ímpios para sempre, mas também daquele que corrigirá aos que hão de salvar-se através do fogo" (Comentário ao Salmo 37)


Assim como qualquer doutrina da Igreja Católica, a doutrina do purgatório possui suas raízes no princípio do cristianismo, na tradição cristã e na tradição oral testificada na patrística. Sendo esta Igreja aquela que possui autoridade para afirmar qual é a verdadeira fé apostólica e cristã, afinal ela é a coluna e o fundamento da verdade 1 Timóteo 3.15

É preciso estudar a história e os escritos da época primitiva da Igreja para se aprofundar mais nisso e perceber claramente que assim criam e ensinavam os primeiros cristãos como relatamos alguns poucos exemplos acima. Não podemos cair em um fundamentalismo sobre a letra por si só, rejeitando todo o processo que existe naturalmente para que algo seja escrito ou para que um dogma seja definido. Não implica necessariamente que apenas a partir de um documento emitido pela Igreja formalmente é que este dogma passou a ser considerado verdadeiro. Assim como os acontecimentos do Evangelho não passam a existir apenas a partir do momento em que são escritos, mas é necessário primeiro que ele exista para que alguém o possa comunicar. Portanto, o purgatório possui base histórica e apostólica. Além de base bíblica, convido todos a leitura na bíblia dos seguintes escritos: 2 Macabeus 12.39-45; São Mateus 12.31; 1 Coríntios 3.10; São Lucas 12.45-59; São Mateus 5.22-26; 1 São Pedro 3.18-19. Indico o Professor Felipe Aquino para explicar sobre os textos. É uma questão puramente de interpretação, que cabe ao tema discutido em outro artigo sobre o cânon bíblico no qual falamos sobre quem é autoridade para interpretar as Escrituras e proclamar a verdade expressa nela.

Em nada diminui a missão de Cristo em nos salvar na cruz a existência do purgatório, pois uma vez em pecado precisamos nos corrigir e mudar em vida. Aquele que vai ao purgatório já está salvo pela ação redentora de Cristo. Todavia não é perfeito e puro para entrar nos céus perante o Pai.


Louvado seja Deus por sua graça e amor por nós, que nos torna perfeitos para o amar de todo o coração, alma, entendimento e força.


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