Papado: uma invenção humana
- ocatecumeno

- 21 de ago. de 2022
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Atualizado: 30 de mai.
Para os católicos, o primeiro papa da Igreja foi o apóstolo Pedro. Certo que não havia ainda essa nomenclatura na época, todavia já existia toda base para o que futuramente seria chamado de papado. É verdadeira essa fé católica ou isto é apenas uma tradição humana que usurpa o sacerdócio de Jesus? Em Mateus 16.18-19 “Pois também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”; cremos que Cristo edificou a sua Igreja sobre São Pedro, a fim de que esta fosse a coluna da verdade a fim de ser guia para salvação de todo homem. E além, ser intimamente ligada aos céus e a Cristo, cabeça da Igreja. Tratamos a respeito da dignidade da Igreja Católica, mais especificamente, no artigo Existe Uma Igreja Verdadeira. Aqui iremos nos ater ao Papado, sua origem e o que criam os cristãos nos primeiros quatro séculos após a ascensão de Jesus aos céus.
São Pedro, líder da Igreja e príncipe dos apóstolos, fica por um tempo na cidade de Antioquia (atualmente localizada na Turquia). Nesta cidade, antes de partir para Roma, ele deixa como sucessor Inácio, que passou a ser então bispo da igreja local. Em uma de suas sete epístolas, Santo Inácio de Antioquia se dirige a igreja de Roma: “...à igreja que preside na região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta a Lei de Cristo, que porta o nome do Pai” Patrística - Padres Apostólicos pág 103. Nas outras seis epístolas, Inácio não saúda de maneira tão apaixonada as demais igrejas e em todas suas cartas demonstra sua preocupação centralizada na unidade da igreja. Outro ponto pertinente é que a palavra amor, em grego ágape, era intimamente conectada à própria unidade cristã, isto é, a Igreja. Ele também exorta os cristãos para terem união com o bispo local e utiliza pela primeira vez em registro escrito o termo Igreja Católica para se referir ao Corpo de Cristo: “Onde aparece o bispo aí está a multidão, do mesmo modo que onde está Jesus, aí está a Igreja Católica” Inácio aos Esmirniotas pág 118. Em sentido oposto à concepção de igreja particular vivida no protestantismo.
Pedro havia se retirado para Roma, não se sabe ao certo como se deu a formação da igreja na Cidade Eterna, todavia sabemos que ela se formou antes da chegada do Príncipe dos Apóstolos. Provavelmente por meio de missionários que cedo ou tarde chegariam ao coração do mundo. Então, São Pedro passou cerca de 25 anos em Roma até o seu martírio em 67 d.C. Nesta cidade, ele passa a ser bispo desde sua chegada (naturalmente este era o propósito: liderar a Igreja no coração do mundo). Pedro se dedica em especial aos judeus que totalizavam cerca de 50 mil cabeças na cidade. Essa Igreja se torna ainda mais proeminente com a chegada do Apóstolo das Gentes, São Paulo, cuja bela vocação o leva a evangelizar os gentios. Mas, muito antes de Paulo, estava ali aquele a quem Cristo confiou o cuidado de dirigir a sua Igreja, a Rocha, Petrus, Cefas, nome dado pelo próprio Messias (João 1.42). E por ele ter se consolidado e morrido em Roma, é que essa Igreja e os bispos que o sucederam, permaneceram sendo reconhecidos com a mesma autoridade e proeminência dada por Cristo sobre Pedro em Mateus 16.
No início do cristianismo temos fortes demonstrações da intensa preocupação com a unidade da fé, sempre ligada ao ensino dos apóstolos e a Igreja de Roma, para manter a fidelidade na verdade, em Cristo. Ora, geralmente, em cada cidade existia uma igreja com seus respectivos bispos, clero, membros, organização econômica, obras sociais, até costumes e liturgias particulares. Autonomia necessária e benéfica. Entretanto, acima das igrejas havia a Igreja. Sentimento que brilha em todo cristão dos primeiros séculos. Para eles a Igreja era una, uma só, como Cristo com o Pai (João 17.21). A universalidade, a apostolicidade e a santidade eram tidas como indispensáveis.
Como vimos acima nas palavras de Santo Inácio, assim ardia o coração do cristão. A Didaquê, livro de iniciação cristã e de doutrina dos apóstolos, evoca “esta Igreja, reunida dos quatro cantos da terra” juntamente com São Paulo e suas cartas, como em Efésios 4 onde proclama a unidade. São Clemente Romano em 96 d.C, terceiro bispo de Roma ou seja terceiro papa da Igreja, sucessor de Pedro e herdeiro de sua autoridade clerical, demonstra sua autoridade exortando em carta destinada aos Coríntios a necessidade da unidade do Corpo de Cristo: “Cristo vêm de Deus e os apóstolos vêm de Cristo. Em ordem, os dois provêm da vontade de Deus” “os apóstolos ordenaram que, por ocasião da morte desses, outros homens provados lhes sucedessem no ministério. Com a aprovação da Igreja.” cap 42-44 (sucessão apostólica e bispos). Os apóstolos ordenaram bispos para os sucederem perpetuando na terra a mensagem de salvação transmitida por Nosso Senhor, de maneira a preservar a verdade para glória de Cristo e salvação da humanidade. Essa sucessão é evidenciada por toda a história cristã desde seus primórdios e também nas sagradas escrituras: “Deitaram sorte e caiu a sorte em Matias, que foi incorporado aos onze apóstolos” Atos 1.26 a partir do versículo 15 São Pedro claramente preside uma reunião e nela elegem um sucessor para Judas Iscariotes já falecido. Timóteo é ordenado por São Paulo a presidir a igreja em Éfeso, como vemos na epístola a Timóteo. A Escritura está permeada de exemplos em que São Pedro exerce sua função e autoridade como presidente da Igreja, sua proeminência é evidente, como vemos em Atos 15 no Concílio de Jerusalém. Se até Judas teve um sucessor, não seria também de extrema importância que se sucedesse também aquele que presidia a Igreja universal?
O historiador Daniel Rops, da academia francesa, no livro A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires disserta acerca da organização da Igreja nos dois primeiros séculos. O princípio basilar é a autoridade. Iniciada pelo próprio Cristo, inclusive a hierarquia, ao separar os doze e os setenta. É o bispo representante de Cristo e testemunha do Espírito, assim cria os homens daquele tempo. São Clemente Romano compara a Igreja ao exército, onde cada um em sua respectiva função age para o bem do todo “que cada um se submeta ao outro conforme a graça que recebeu”. Na bíblia, livro de Atos capítulos 11 e 20 temos referências aos anciãos ou presbíteros e epíscopos ou bispos. E o bispo, é aquele que preside a igreja local. Desde sempre, portanto, a igreja possui hierarquia e sucessão. Ao traçar a sucessão de São Pedro, chegamos indubitavelmente ao seu atual sucessor, o Papa Francisco. Salientando que isto independe da dignidade particular do homem que é papa, a autoridade do cargo provém de Cristo. Em analogia, também assim ocorre para alguém que exerce autoridade como presidente de um país. O múnus do cargo, a autoridade, necessidade e importância dele não se finda ou se invalida se o indivíduo em particular se apresenta indigno.
Rops, baseando-se nas Escrituras e em epístolas de cristãos dos dois primeiros séculos fala sobre os diáconos (homens e mulheres que serviam na igreja com atividades como obras de caridade, ordem e coleta de oferendas na missa e visita aos necessitados), os presbíteros (um verdadeiro senado que ajuda o bispo, o aconselha, o assiste e o substitui em caso de ausência ou morte) e os bispos (acima de todos, exerce grande autoridade e preside a igreja e a missa local, o pastor das ovelhas de Cristo). Desde o princípio os cristãos, sucessores dos apóstolos, se esforçavam para para manter a organização da Igreja, o que se faz extremamente necessário para o correto ensino, unidade de fé, salvação das almas e glória de Cristo. O que também buscavam os apóstolos a exemplo de São Paulo na epístola aos Efésios 4.3-7.
A carta de exortação de Clemente aos Coríntios é um fato que demonstra a autoridade universal do bispo de Roma para presidir e unir toda a Igreja. Já temos aqui dois exemplos históricos, o tratamento de Santo Inácio de Antioquia para com a igreja romana e a carta de Clemente, além da incontestável liderança de São Pedro sobre a Igreja. Por volta do ano 140, Hermas, autor do livro O Pastor, confia a sua obra ao bispo de Roma para que fosse comunicada às igrejas. Em 180 Santo Irineu de Lião (discípulo de São Policarpo de Esmirna; por sua vez discípulo do apóstolo São João) em defesa da fé cristã frente aos hereges gnósticos, cita constantemente a doutrina da igreja romana: “De fato, é com esta igreja, por causa da sua alta preeminência, que deve estar de acordo toda a Igreja, isto é, todos os fiéis dispersos pelo universo. É nela que os fiéis de todos os países têm conservado a tradição apostólica”. Tudo indica que o sucessor de São Pedro exercia a mesma autoridade do apóstolo reconhecida por toda cristandade desde sempre, forçando muito para a incredulidade, podemos dizer que isto é evidente historicamente a partir do século II. A Igreja inteira reconhecia na igreja de Roma um primado tanto de doutrina quanto de supervisão. Santo Ireneu nos apresenta a lista dos bispos que sucederam São Pedro em Roma: Lino, Anacleto e Clemente (no primeiro século); Evaristo, Alexandre, Xisto ou Sixto, Telésforo (quatro gregos); depois com mais precisão de datas Higino (136-140) Pio (140-154), Aniceto (154-175), Sóter (175), Eleutério (175-189) este último que inclusive era amigo de Irineu.
Outro fato interessante a respeito da carta de São Clemente, é que neste ano de 95 d.C, ainda era vivo o apóstolo São João (último com vida dentre as testemunhas de Cristo). João passou pela cidade de Corinto e sem dúvida possuía grande prestígio. Todavia foi ao bispo de Roma que recorreram para resolver as dificuldades religiosas.
Ao contrário do que tenta presumir detratores da Igreja, como Voltaire, na tentativa de colocar a origem do papa unicamente como uma vontade do imperador romano Constantino, por desconhecimento da história cristã ou por pura maledicência. A tendência natural desta factível veneração e fé cristã que permeia a história, era a concretização da instituição papal. A qual se deu em definitivo no século IV, vemos por exemplo em 340 o papa Júlio I que escreve uma carta direcionada aos bispos do oriente (época em que a heresia ariana estava pujante e era combatida pelo papa) em defesa de Atanásio que contrapunha os hereges e invalidando o escandaloso Concílio de Tiro, o qual não foi consultado, em um de seus trechos a carta diz: “Escreve-nos em primeiro lugar é aqui que se faz justiça”. Exercendo verdadeiramente sua autoridade, futuramente, viria a ser defendida a fé católica na Trindade no Concílio de Nicéia (325) contra os arianos que não criam em Jesus como Filho consubstancial a Deus Pai.
Anos depois, Santo Atanásio que era bispo em Alexandria, não se limita ao defender a igreja de Roma: “a sentença do papa Dionísio deve ser recebida como definitiva e irreformável”. Santo Hilário de Poitiers, no mesmo século, exclama contra as heresias: ”Recorram à cabeça, isto é, à Sé de Roma!”. Mais tarde, São João Crisóstomo e Santo Ambrósio afirmam o mesmo. O primeiro declara que a adesão ao sucessor de Pedro é o único princípio de coesão na fé, o outro exclama “quem não estiver com Pedro não terá parte na herança de Pedro. Onde está Pedro, aí está a Igreja!” Todo assunto tratado regionalmente deveria ser comunicado ao bispo de Roma, quando necessário, à exemplo do Concílio de Sárdica em 343 que concede lugar de decisão ao “sucessor do muito santo Apóstolo Pedro”, o que até então era um costume baseado na tradição, adquirira consistência jurídica. Por mais que houvesse resistência por parte de muitos prelados do oriente, a proeminência da sucessão do Príncipe dos Apóstolos é amplamente identificada desde os tempos primitivos da Igreja.
Entretanto, em meio há todas essas testemunhas, diante de tantas demonstrações ao longo da história cristã a respeito do papado, sabemos que não são os papas (muitos até mesmo indignos e até perversos), nem os imperadores, nem a vontade popular que sustentam essa fé. Mas sim Aquele que a instituiu, o próprio Senhor Jesus Cristo é quem edifica sua Igreja, organiza toda a base institucional e conduz a história sendo fiel a sua promessa “as portas do inferno jamais prevalecerão contra a minha Igreja”. É Cristo, o cabeça da Igreja, o Sumo Pontífice, o único digno. É Ele quem preside a Igreja com toda autoridade, Ele comunicou essa autoridade a São Pedro para perpetuar na terra a Si mesmo, mediante a sucessão deste apóstolo temos plena convicção de que estamos seguindo verdadeiramente o amado de nossas almas.
O papado foi sim uma invenção humana. Invenção de Cristo Jesus, Homem.
“A Igreja é a encarnação permanente do Filho do Homem” Johann Adam Mohler, teólogo alemão






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