A Imaculada Conceição de Maria
- ocatecumeno
- 16 de dez. de 2021
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Atualizado: 21 de dez. de 2021
Quando nascemos herdamos de nossos pais o pecado original presente em todo ser humano desde Adão e Eva que desobedeceram a Deus no Éden. Assim que fomos concebidos, nascemos em um estado natural de separação de Deus e com uma inclinação ao pecado, a qual chamamos de concupiscência. Deus é sumamente santo, sendo assim, está em total oposição ao pecado. É impossível qualquer contato que seja de Deus Santíssimo com a impureza. O plano de redenção para a raça humana e, consequentemente, de toda a criação necessitava que o próprio Verbo, Logos divino, Deus Filho, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fizesse carne assumindo a natureza humana. Portanto, se fez necessário que Jesus se unisse intimamente à natureza humana decaída no ventre de uma mulher. Como isso poderia acontecer? Como Deus estaria em contato direto com o pecado no ventre de uma pecadora? É aí que se entende como parte essencial do plano salvífico de Deus a Imaculada Conceição de Maria para que Jesus recebesse a natureza humana sem qualquer ínfimo contato com o pecado.
O plano de salvação foi anunciado por Deus pela primeira vez em Gênesis 3.15 “Colocarei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Se dirigindo à serpente Deus afirma que os filhos da mulher pisarão em sua cabeça. E quem é que atingirá a cabeça da serpente? Obviamente, este é Jesus, que veio para destruir as obras e o poder de Satanás. Portanto, sendo Jesus o filho da mulher, temos que a mulher só pode ser Maria. Desde o princípio em sua soberania e graça Deus já havia incluído a mulher, Maria, em seu plano salvífico.
A descendência da serpente, Satanás, é o pecado. Logo, há uma inimizade entre Maria/Jesus e Satanás/pecado. Uma oposição completa, sem possibilidade de cooperação ou comunhão entre eles.
Foi absolutamente necessário que Maria não tivesse contato com o pecado original e pessoal, isenta da natureza humana decaída. Ao contrário, seria destruída a sua inimizade com o pecado e Satanás. Vemos a intenção de Deus em manter Maria totalmente livre do pecado, para que Cristo pudesse assumir uma natureza humana incorruptível sem qualquer contato com o pecado original ou pessoal de sua mãe. Um contato de Maria com o pecado, representaria um contato de Cristo com o pecado de sua mãe que o formava ou o formaria no ventre.
Em Lucas 1.26-38 o anjo Gabriel anuncia à Virgem Maria o nascimento do Messias, Filho Unigênito de Deus feito homem, em seu ventre por ação do Espírito Santo. Ao saudar Maria, o anjo diz “ave cheia de graça” ou “tu que és plena da graça”, no grego kekaritomene que significa “preenchido pela graça”. Sempre que pecamos, rejeitamos livremente ao menos um pouco da graça que nos foi dada, que é a vida de Jesus entregue por nós na cruz. Para estar em plenitude na graça, Maria deveria estar completamente livre do pecado. Não há mais nenhum ser humano nas Escrituras ou na história que tenha recebido tal saudação de outra pessoa, quanto mais de um anjo que nada mais leva do que senão a mensagem daquele que o enviou, o próprio Deus. É claro e cristalino que o anjo está em completa comunhão com o Pai e aquilo que fala não é descartável, mas deve ser considerado com o peso e medida ao qual foi dito kekaritomene “plena da graça”. Como Deus preservou então Maria do pecado original? Em sua bula Ineffabilis Deus, o papa Pio IX declara que ela foi preservada do pecado “por singular graça e privilégio do Deus onipotente, em vista dos méritos de Cristo”.
Debulhando a palavra kekaritomene mais precisamente, temos uma extensão de três palavras. O prefixo KE indica um estado do presente que é produto de uma ação concluída no passado. MENE torna isso um particípio passivo, ou seja, uma ação realizada no sujeito por outra pessoa. KARITO significa graça. Concluindo, Deus é o autor do estado de graça da Virgem. Assim o anjo a saúda.
Ora, Maria precisava de que Cristo a redimisse tanto quanto nós. Ela jamais alcançaria os céus sem Jesus, sem o sacrifício de amor na cruz. Assim como nós que hoje aceitamos a Cristo, que fomos batizados e transformados pela sua graça e amor. Maria também foi redimida pelo Nosso Senhor. Deus transcende o tempo, ele não está preso no espaço/tempo como a sua criação material. Não há passado ou futuro para Deus, não há barreira temporal para que os méritos de Cristo na cruz sejam aplicados na criação. É como se Deus visse em uma extensa linha de filme fotográfico toda a história e em uma dessas partes ocorre nosso período de vida neste espaço/tempo. Porém, Ele tudo vê e opera em qualquer local desta fita fotográfica como lhe agradar, dentro de seu amor e graça para redenção da criação. Antes mesmo de Jesus nascer, antes mesmo de Maria nascer, antes mesmo que o primeiro homem pecasse; Deus já poderia aplicar os méritos de seu Filho na cruz quando lhe aprouver. Na nova aliança Jesus é o novo Adão que representa em obediência a humanidade perante Deus Pai. E Maria é a nova Eva, que também em plena obediência, recebeu a graça de Deus e escolheu servir ao Filho. Assim criam os primeiros cristãos como Santo Irineu de Lião “Da mesma forma, encontramos Maria, a Virgem obediente, que diz: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”, e, em contraste, Eva, que desobedeceu quando ainda era virgem (…). Maria, tendo por esposo quem lhe fora predestinado e sendo virgem, pela sua obediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa de salvação. É por isso que a Lei chama a que é noiva, se ainda virgem, de esposa daquele que a tomou por noiva, para indicar o influxo que se opera de Maria sobre Eva”.
Ao longo dos séculos até a confirmação do dogma em 1854, existiram os maculistas (negam a imaculada conceição) e os imaculistas (creem na imaculada conceição). Com diversos debates, com defesas e objeções. Vamos às principais objeções contra o dogma da Imaculada Conceição de Maria e suas respostas:,
1- Maria não poderia ser imaculada, pois a Escritura diz que “todos pecaram”. Romanos 3,23: “visto que todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus”
Uma interpretação rasa do texto. Em diversas outras situações nas escrituras se utiliza uma generalização que não representa necessariamente a totalidade do referido grupo. Neste caso, ”todos pecaram”, não incluem todos pois sabemos que Cristo não pecou. O católico entende que Maria também não, pois Deus quis realizar seu plano salvífico a partir de um nascimento sobrenatural no ventre de uma mulher. Entendemos que São Paulo faz referência à condição natural de todo ser humano, fala da regra, não da exceção. Bom, dizer “todos” não significa sempre absolutamente “todos”. Temos dois exemplos no AT de homens que foram levados aos céus Enoque e Elias, não podemos dizer que eles estavam privados da glória de Deus. Existem casos excepcionais, Maria é o principal deles.
Em 1 João 1.10 o apóstolo aborda que todo aquele que diz não pecar, mente. Enquanto São Paulo se refere ao pecado original (pecado contraído), São João se refere ao pecado pessoal (pecado cometido). Uma criança, até que chegue a uma certa maturidade racional, não pode pecar pois o pecado deve ser uma escolha, deve ser consentido. Mais um caso onde “todo” não significa absolutamente “todo”. Não há contradições, o apóstolo apenas está se referindo à regra e não à exceção.
2- Maria não poderia ter nascido sem o pecado original, pois ela declara que precisava de um salvador. São Lucas 1,46-47: “Maria então disse: ‘minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus, meu salvador’”.
Sim, ela precisou de um salvador, mais do que todos nós. Ela foi a mais agraciada, a quem mais foi dado para lhe conduzir a salvação. O que não implica a necessidade do pecado original, pois Deus a preservou nos méritos de Cristo. O catecismo da Santa Igreja Católica diz nos parágrafos 492 e 493: “Esta santidade resplandecente, absolutamente única da qual Maria é enriquecida desde o primeiro instante de sua conceição lhe vem inteiramente de Cristo: em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um modo mais sublime. Mais do que qualquer outra pessoa criada, o Pai a abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo (Ef 1,3). Ele a escolheu nele (Cristo), desde antes da fundação do mundo, para ser santa e imaculada em sua presença, no amor”.
3- Maria não poderia ter sido isenta de nascer com a mancha de Adão, uma vez que só Jesus não teve pecado em sua condição humana. Só Deus não possui pecado. Hebreus 4,15: “Com efeito, não temos sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado”.
Maria não foi a única criada imaculada por Deus. Nossos primeiros pais Adão e Eva também, até o momento da queda. Não é um absurdo crer que Deus tenha preservado uma mulher para conceber o Cristo em um ventre imaculado, feito digno por Deus, para gerar o mesmo Deus. O simples fato de não ter pecado não torna Maria uma deusa, veja: anjos não possuem pecados, aqueles que morrem em amizade com Deus também não. Maria não é caracterizada como deusa, mas sim como uma mulher santa predestinada para a missão mais extraordinária dada a uma criatura neste mundo: dar a luz ao Verbo de Deus. Consequentemente, a ação de Deus em Maria também é extraordinária, proporcional a esta magnífica missão. João 1.1
4- Maria foi pecadora, pois foi purificada. São Lucas 2,22: “Quando se completaram os dias para a purificação deles, segundo a Lei de Moisés”.
Cristo nasceu sob o jugo da lei. O Salvador não possuía pecado porém foi submisso às prescrições mosaicas dando o exemplo em tudo. Batizado por João Batista Mateus (3.16-17), não precisava ser circuncidado (Lucas 2.21), nem batizado. Não precisava se submeter aos cuidados de uma mulher ou ter uma profissão para seu sustento (Marcos 6.3). Nosso Senhor, sendo Deus e puro, não precisava ser apresentado no templo (Lucas 2.22). Logo ele tinha pecado. Aplicaremos tal teor de interpretação a pessoa de Cristo? Certo que não, o cumprimento da lei não é premissa para concluir que seu praticante pecou ou peca. Em analogia, Maria preservada do pecado pela graça de Deus Pai, ainda mais deveria cumprir os ritos e lei da religião até então preparada por Deus para a vinda do Messias.
5- Maria não foi imaculada, pois seus pais eram pecadores e ela iria contrair a mancha ao nascer. Seus pais teriam que ser igualmente isentos do pecado. Salmos 51.50: “Eis que nasci na iniquidade, minha mãe concebeu-me no pecado”.
Entendemos que o pecado original não é herdado por meio de uma ordem biológica. A mancha de Adão é transmitida e não cometida. Jeremias por exemplo foi santificado no ventre de sua mãe (Jeremias 1.5) para cumprir a missão que Deus lhe dera. A santificação de Maria transcendeu o espaço/tempo natural justamente devido à sua missão peculiar no plano salvífico, por graça de Deus e méritos de Jesus. Sua missão deriva do próprio Cristo.
Maria foi preservada do pecado original no ventre de sua mãe pelos méritos de Cristo na cruz, plena graça de Deus, a qual Maria sempre respondeu em seu livre arbítrio com um sim. Maria foi preservada plenamente, jamais pecou ou cooperou para o pecado em toda a sua vida. Onde se aplicaria com tal perfeição a graça de Deus, a redenção de Cristo, a ação do Espírito Santo se não na vida daquela que gerou o Filho? Há possibilidade lógica de que algum ser qualquer tenha recebido maior ou semelhante graça do que Maria? Na qual Pai, Filho e Espírito Santo operaram intimamente de tal maneira que esta mulher deu à luz a este mundo ao próprio Deus! Somos chamados a gerar Cristo em nossas vidas, a graça de Deus nos ajuda juntamente com o Espírito Santo que nos santifica, para que sejamos semelhante ao Filho que comunica seus méritos conosco para tal. É exorbitante o grau de perfeição que uma criatura necessita ter para não simplesmente ser semelhante ao Filho mas, muito além disto, gerar o próprio Filho em seu ventre. Essa perfeição da criação de Deus, se chama Maria. E mais do que todos, ela depende do Filho para sua salvação. Maria é a que mais se entregou à Deus, na graça do Pai, na ação do Espírito Santo e nos méritos de Cristo.
Assim como a Virgem, que o Senhor nos encontre sempre à sua disposição, solícitos. Dando sempre um sim ao Salvador e fazendo tão somente a vontade do Pai. Salve Maria Imaculada na graça de Deus Pai, nos méritos de Jesus Deus Filho, pela efusão do Espírito Santo! Glória à Santíssima Trindade, louvada seja por seu magnífico plano salvífico, por seu inefável amor e sua paixão na cruz.
“Nem se deve tocar na palavra pecado, em se tratando de Maria; e isso por respeito Àquele de quem mereceu ser a Mãe, o qual a preservou de todo pecado por sua graça”. Santo Agostinho de Hipona
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